Friday, August 19, 2011

Programa de Milhagem

Nos tempos de Jesus, era comum ver soldados romanos obrigando civis, entre judeus ou estrangeiros, a realizar tarefas como carregar suas bagagens de viagem ou mesmo fazer serviços de correios. Era um costume aprendido dos persas, e portanto, muito antigo.

Um certo Simão, morador de Cirene, vinha do campo, depois de muito trabalho, e, passando pelas ruas de Jerusalém, aproximou-se para ver o tumulto provocado pela multidão alvoroçada que acompanhava mais uma das rotineiras execuções de prisioneiros que ocorria no Gólgota. De repente, ouviu uma voz em tom marcial: - Ei, você aí! Venha agora e carregue a cruz do prisioneiro! Já! Como ele tinha juízo, obedeceu imediatamente. E assim, a cruz de Cristo foi colocada sobre seus ombros para ser carregada até o Calvário (Lc 23.26). A Bíblia não fala mais nada acerca de Simão, mas é provável que ele não fosse um seguidor de Cristo, e portanto, deveria estar bastante aborrecido em realizar aquela tarefa angustiante.

Se você, por outro lado, é alguém que teria se sentido grandemente honrado em carregar aquela cruz, e que faria isto sem pestanejar pelo nosso Salvador e Senhor, então, não terá dificuldades em compreender e praticar um de seus ensinamentos mais desafiadores: “Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas” (5.41).

Andar uma milha coagido a fazê-lo é humano e comum a todos (por razões de sobrevivência), mas se dispor voluntariamente a continuar pela segunda, é divino! Jesus, neste ponto, assim como em todo o Sermão do Monte, atinge diretamente o coração dos seus discípulos. Sua verdade foi um verdadeiro açoite ao orgulho presente em nossa natureza. Como controlar o sentimento de raiva ou mágoa, a sensação de impotência, injustiça, de abuso de autoridade ou do desejo de vingança quando alguém nos força arbitrariamente a fazer o que não queremos? Como ir além disso?

A resposta está no próprio Cristo. Seu convite para segui-lo implica na disposição de negar-se a si mesmo (Mt 16.24) e assumir uma outra identidade nEle (Gl 2.20), a de uma nova criatura (Jo 3.3) controlada pelo Espírito Santo (Gl 5.22-23).

Assim, andar a segunda milha significa que, ao invés de darmos espaço para os feitos da carne (Gl 5.19-21), fazendo adoecer nossa alma, devemos renovar nossa paciência no Senhor (1Ts 5.14-16), e preparar o coração para ir além do que nos foi exigido. Significa também que confiamos em Deus como justo juiz sobre todas as nossas causas. A nós só nos cabe amar até mesmo o inimigo (Mt 5.44), e glorificar a Deus sendo humildes de espírito, mansos, misericordiosos, limpos de coração e pacificadores. Que o Pai nos ajude!

Friday, August 5, 2011

Tapa no Rosto

Nossa natureza simplesmente não admite. É humilhante. É indigno. É repulsivo. Machuca, fere, dói na alma, na honra. Jesus não poderia ter sido mais incisivo ao sugerir que seus discípulos, diferentemente dos escribas e fariseus, deveriam estar aptos a sofrer um tabefe no rosto e serem capazes de oferecer a outra face para um novo safanão. O próprio ensino e sua ilustração já são um tapa em nossas pretensões humanas. Como alguém seria capaz disso? Não estaria Jesus indo além do limite do razoável?

Jamais. Jesus foi preciso em suas palavras como precisa foi a lição que ele trouxe aos seus discípulos: o coração humano é extremamente perigoso, é explosivo, é carente de retaliação, é visceralmente orgulhoso ao ponto de jamais aceitar um despeito, ou uma ameaça à própria honra. Ele não fica por baixo, mas ama a vingança, deseja a vindita. Por isso, não provoque o coração humano! Só Deus sabe do que ele é capaz!

Ao se dirigir aos seus discípulos, Jesus estava falando a corações divinamente transformados, corações que foram substituídos pela promessa feita em Ezequiel 36.26 – “Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne”. Um coração regenerado exibe uma outra realidade: Nele está presente o fruto do Espírito que é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio (Gl 5.22). Ao assumir a identidade de Cristo, este novo coração não pensa mais em si, mas vive para Deus e ama ao próximo, ainda que seja seu inimigo (Mt 5.43-48). Assim, sob controle, não reage, mas, como Cristo, entrega seu caso ao Justo Juiz (1Pe 2.23).

Um tapa no rosto é revelador do nosso coração. Lembro-me, na infância, que, provocado, resisti. De natureza calma, dava um boi para não entrar numa briga ... até levar um tapa no rosto. Aí oferecia uma boiada para não sair dela. “Desventurado homem que sou!” (Rm 7.24). Todos os dias estamos sujeitos a levar um tapa no rosto: no trânsito, principalmente por motoqueiros imprudentes que até chutam o retrovisor; em casa, por meio de palavras não bem ditas por um cônjuge; no trabalho, por um chefe ímpio cuja alegria parece ser a de vê-lo(a) padecer na insegurança; na escola, pelas afrontas dirigidas contra a fé.

Neste vocabulário de Cristo, dar a cara a tapa não significa estar pronto para enfrentar algo, mas renegar a própria índole disposta ao enfrentamento e agir com mansidão e domínio próprio. Isto não significa abrir mão da justiça, mas sim, abrir mão de nosso “direito” de revide. Fica frio, coração!