Nossa natureza simplesmente não admite. É humilhante. É indigno. É repulsivo. Machuca, fere, dói na alma, na honra. Jesus não poderia ter sido mais incisivo ao sugerir que seus discípulos, diferentemente dos escribas e fariseus, deveriam estar aptos a sofrer um tabefe no rosto e serem capazes de oferecer a outra face para um novo safanão. O próprio ensino e sua ilustração já são um tapa em nossas pretensões humanas. Como alguém seria capaz disso? Não estaria Jesus indo além do limite do razoável?
Jamais. Jesus foi preciso em suas palavras como precisa foi a lição que ele trouxe aos seus discípulos: o coração humano é extremamente perigoso, é explosivo, é carente de retaliação, é visceralmente orgulhoso ao ponto de jamais aceitar um despeito, ou uma ameaça à própria honra. Ele não fica por baixo, mas ama a vingança, deseja a vindita. Por isso, não provoque o coração humano! Só Deus sabe do que ele é capaz!
Ao se dirigir aos seus discípulos, Jesus estava falando a corações divinamente transformados, corações que foram substituídos pela promessa feita em Ezequiel 36.26 – “Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne”. Um coração regenerado exibe uma outra realidade: Nele está presente o fruto do Espírito que é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio (Gl 5.22). Ao assumir a identidade de Cristo, este novo coração não pensa mais em si, mas vive para Deus e ama ao próximo, ainda que seja seu inimigo (Mt 5.43-48). Assim, sob controle, não reage, mas, como Cristo, entrega seu caso ao Justo Juiz (1Pe 2.23).
Um tapa no rosto é revelador do nosso coração. Lembro-me, na infância, que, provocado, resisti. De natureza calma, dava um boi para não entrar numa briga ... até levar um tapa no rosto. Aí oferecia uma boiada para não sair dela. “Desventurado homem que sou!” (Rm 7.24). Todos os dias estamos sujeitos a levar um tapa no rosto: no trânsito, principalmente por motoqueiros imprudentes que até chutam o retrovisor; em casa, por meio de palavras não bem ditas por um cônjuge; no trabalho, por um chefe ímpio cuja alegria parece ser a de vê-lo(a) padecer na insegurança; na escola, pelas afrontas dirigidas contra a fé.
Neste vocabulário de Cristo, dar a cara a tapa não significa estar pronto para enfrentar algo, mas renegar a própria índole disposta ao enfrentamento e agir com mansidão e domínio próprio. Isto não significa abrir mão da justiça, mas sim, abrir mão de nosso “direito” de revide. Fica frio, coração!
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